terça-feira, 11 de novembro de 2008

A porta de aluminio anodizado à cor natural



A senhora idosa de 80 anos, moradora num bairro classificado como imóvel de interesse público, mostra, orgulhosa, as obras recentes que fez lá em casa: os degraus da escada forrados a pedra mármore, branca nos cobertores, preta nos espelhos; a parede revestida a um metro de altura com azulejo azul e branco e pormenores em amarelo; a nova caixilharia em alumínio anodizado à cor natural; os tectos falsos com placas de plástico na sala.

Faço a conta mentalmente: preço de material, mão de obra (será que o sobrinho habilidoso é económico?), reforma... Vejo as fotografias dos netos em molduras plásticas com um banho de dourado, ao lado uma jarra azul com rosas da mesma cor.

Tento formular uma frase airosa, precisa ou eficaz sobre a caixilharia de alumínio e a sua inadequação naquela casa, naquele bairro. Os meus pensamentos são interrompidos por relatos de maleitas sofridas, histórias de familiares...

- E existem pessoas que não acreditam em Deus! - diz ao mostrar a nódoa negra isolada resultante de uma queda numa escada forrada a mármore polido com esquina viva (a tal).

Remeto-me ao silêncio. Há coisas das quais é mais fácil não falar. Não por uma questão de altruísmo mas por cobardia e egoísmo.

Como é reconfortante sair de uma casa habitada por uma octogenária e ouvir: Boa tarde menina, gosto em conhecê-la. Que lhe corra tudo bem!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Elogio à pieguice


A pieguice dá-me urticária! Tenho verdadeiras alergias quando ouço expressões como: amorzinho, fofinha, coisinha mais lindinha... e nem falo de outras lamechices, queixumes arrastados, lamentos profundos trabalhados!

- Insensivel!

- Nunca estiveste verdadeiramente apaixonada!

- Não gostas de ninguém!

- Dor de cotovelo!

Tudo bem! Há situações em que se pode tolerar a lamechice peganhenta! Em recém-namorados, com amigos, familiares, bébés?

..hummm.. Não!..

Talvez em relações estáveis, aquelas onde o conhecimento mutuo é tal que até se toleram essas situações...como direi...ridículas! Do mesmo modo que se permite que alguém tire batatas fritas do prato onde se come! (muita gente o faz! pois! - esta analogia é perfeita - há muitas pessoas piegas...)

Obviamente, deve existir uma excepção para todas as regras!

A tarde de domingo uma vez por mês deveria ser o momento oficial da lamechice! Seria perfeito para todos! Certas coisas que acontecem no domingo já potenciam esse acontecimento:

o filme romântico de domingo, o almoço de familia e o estado de inércia e de preguiça mental generalizada.
Eu própria render-me-ia a passar uma tarde de domingo enroscada no sofá com o meu amorzinho, fofinho, com a lágrima ao canto do olho ao ver o filme com a criancinha separada da familia, que reencontra o seu cãozinho numa cidade distante.

Este momento oficial da pieguice seria adequado mesmo para aqueles que decidem ser coerentes nos seu comportamentos anti-pieguice os 365 dias do ano.
Do mesmo modo que as pessoas que não gostam do Natal encontram na quadra natalicia o melhor momento para expressarem esse desagrado.

É algo aborrecido apreciar o que está indisponível!



Talvez esteja esgotado por ser mais apreciado!
Ou amado por não estar empacotado!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Retrato I ou aparelho digestivo para apaixonados





Ele é alto, moreno. Tem o cabelo desalinhado e um sorriso grande rasgado, mais brilhante do que os olhos.

Os olhos são o espelho da alma!
Apertada no esófago, triturada pelos dentes. Talvez isso explique os seus modos calados...

Mas não nele! A sua alma está no estômago e é enorme!
O sorriso é uma pequena expressão da sua alma gigante, bem instalada no estômago. Resiste, sempre inalterada, às enzimas, ao ambiente ácido.
Dirão que é pouco fléxivel, teimoso, casmurro! Eu acredito que tem uma alma confiante, segura e determinada. Imaginem o seu percurso!