sexta-feira, 29 de março de 2013

Berenice


Ele chamava-a de Berenice. Não por esse ser o seu nome mas porque quando a conheceu, ela o fez lembrar uma personagem de um romance que lera.

Berenice era bela com longos cabelos negros, um sorriso atrevido e corpo roliço. Dava nas vistas. Isto no livro, porque a outra - aquela que não Berenice - mas que assim era chamada, não despertava múltiplos olhares de cobiça. 

Mas ele chamava-a de Berenice e ela – a nossa Berenice (porque assim a conhecemos, apesar, desse não ser o seu nome) não sabia o porquê do título, aparentemente desadequado, antiquado e desinteressante.  

Ele chamava-a Berenice, cada vez mais, com maior intensidade e ela ficava triste, sempre um pouco menos.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Um post pessoal, um elogio à cusquice ou a nostalgia de uma humanidade envergonhada

Quando era miúda colocava a mim própria um desafio peculiar. O que escolheria perante as seguintes hipóteses:a) tornar-me invisível sempre que o desejasse ou b) conseguir ler os pensamentos das outras pessoas. Demorava sempre bastante a escolher uma das possibilidades e nunca as consegui realizar. Poderei afirmar: felizmente!, pois ouvi dizer que os super-poderes tornam-se muitas vezes uma maldição para os seus portadores.

Apesar dos evidentes benefícios que qualquer uma das operações pudesse representar penso que o que me fascinava era a simples possibilidade de saber mais sobre os outros. E isso é curioso porque sempre tive níveis de cusquice abaixo do normal (não que as análises que tenho feito comprovem isso mas era comum os episódios da vida alheia, mesmo quando picantes, intrigantes e amplamente divulgados entre o meu circulo de amigos e conhecidos, me passarem completamente ao lado).

Com a criação deste blog finalmente percebi porque é que tinha necessidade de procurar esses poderes. Tendo por objectivo escrever crónicas divertidas eu não poderia recorrer apenas à minha vida (que perante a minha visão crítica de cronista em construção era... árida). Nesse momento precisei de olhar para os outros, quem conheço, quem nunca vi, toda a gente e para as marcas humanas espalhadas um pouco por todo o lado (coisas como a roupa estendida nas varandas, as beatas caídas no chão, janelas semi-abertas poderiam ser pedaços de histórias fascinantes). 

A falta de rigor cientifico na pesquisa de pistas para ideias não me permitiu atingir níveis de quadrilhice notáveis, nem mesmo assinaláveis mas não me impediu de perceber que a cusquice me torna mais humana.