segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A conspiração das meias – parte 1

Hoje saiu de casa bem cedo…não queria que nada o perturbasse. Preparou tudo cuidadosamente na noite anterior. Tinha a certeza que os sapatos não tinham as solas rotas nem costuras descosidas ou descoladas. Nunca tinha ficado com as meias molhadas e os pés frios…

Na sala com vista para a praça chuvosa, quando lhe falaram de uma crise e da impossibilidade de o contratar, olharam várias vezes para o telemóvel e coçaram distraidamente o couro cabeludo.

Os seus pés mergulharam ainda mais na sola reforçada das meias e achou que era uma boa sensação…como enterrar os dedos na areia molhada da praia. De pé a sensação aumentava. E ao andar a água, antes aprisionada nas fibras de algodão, preenchia os espaços entre as unhas e a pele. Enquanto os seus joelhos se aproximavam estranhamente do peito e a rua passava veloz, tudo era a mesma massa, a água suja da tinta das meias estreadas, misturada com o suor, com resquícios de cabedal.

Parou num café pastelaria frequentado por senhoras de meia-idade, com o cabelo impecavelmente cortado, que sorviam chá e abocanhavam pãezinhos de leite simultaneamente com as mãos e com os lábios descolorados.

Tornou-se mais difícil caminhar, os pés colados ao chão com a pasta húmida que pingava da boca dos sapatos.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Ecologia I

- Não percebo porque é que dizes que ele não é ecológico!

- Tem um carro com 20 anos e faz pelo menos 250km todas as semanas, o escape parece uma chaminé de fábrica no auge da revolução industrial. Demora mais de meia hora a tomar banho, deixa a água a correr enquanto lava os dentes e está se pouco lixando para os jaquinzinhos de 5cm de comprimento que adora devorar todos os sábados ao almoço! 


- Não podes ser tão limitada nas tuas análises. Ele cumpre a política dos 3 Rs na perfeição: Reutiliza o seu discurso vezes sem conta, quem não soubesse até diria que é político. Recicla a roupa do pai sempre que tem uma festa dos anos 60. E claro que reduz o riso sempre que falas.

- Às vezes tens uma piada...Ele tem a consciência ambiental de um depósito de chumbo no oceano à procura de uma boca de peixe-espada prestes ser apanhado e servido em postas numa marisqueira com vista para o mar. Mas está no teu garfo...escolhe se comes ou não.

- Achas que estou a vender a minha alma verde ao diabo?

- Almas verdes na "civilização"...não me parecem que existam.