quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Febril


Sinto-me febril!
Estarei apaixonada?
Ou com uma qualquer gripe, contaminada?
(o risco maior aumenta quando julgamos que o perigo passou. Quando acreditamos que o vírus está num cantinho fresco e húmido do mundo bem afastado de nós.Nesse preciso momento estamos desprotegidos. Consideramos que a dor de cabeça, os tremores e os suores frios se devem ao excesso de calor e bebemos mais uma imperial para refrescar)

ai! que vou esticar o pernil.



quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Abaixo assinado a favor do uso de havaianas no inverno



Ele saiu de casa bem cedo…não queria que nada o perturbasse. 

O dia era muito importante. Preparou tudo cuidadosamente na noite anterior. E por isso mesmo não conseguiu explicar o que lhe sucedeu. Tinha a certeza que os sapatos não tinham as solas rotas nem costuras descosidas ou descoladas. Não se recorda de lhe ter acontecido em qualquer outro dia, ficar com as meias molhadas e os pés frios…

Na sala com vista para a praça chuvosa, sentado de costas bem direitas numa cadeira com imagem interessante mas de conforto mínimo, mexia meticulosamente os dedos dos pés.


No gabinete, quando lhe falaram de uma crise, ou da crise (já não se recorda) olharam várias vezes para o telemóvel e passaram com as mãos no tampo da mesa lacado, cravado de impressões digitais. Depois de esborratadas umas dezenas de dedadas, comunicaram-lhe a impossibilidade de o contratar nas condições faladas na semana anterior. Os seus pés mergulharam  na sola reforçada das meias. Achou que era uma boa sensação...como enterrar os dedos na areia molhada da praia.… 

De pé essa sensação aumentou. 

Ao andar a água passou a preencher os espaços entre as unhas e a pele e os sapatos de couro. Enquanto os seus joelhos se aproximavam estranhamente do peito e a rua passava veloz, tudo era a mesma massa: a água da chuva, a tinta liberta do algodão das meias acabadas de estrear, o suor nervoso com resquícios de cabedal. 

Os pés colavam-se ao chão com a pasta húmida que pingava da boca dos sapatos e as suas calças sem qualquer vestígio do vinco ostentado há duas horas atrás eram cascatas de desilusão no lago cada vez mais amplo entre o calcanhar do seu pé e o calcanhar do sapato.


terça-feira, 11 de junho de 2013

E agora?

Dizem que quando passamos por um grande perigo nos lembramos da nossa vida, os momentos mais marcantes e as pessoas que amamos.
Não tive grandes sustos na vida mas já me aconteceu estar em situações menos agradáveis, que podiam ser evitadas. Uma imagem mental que me assola nesses instantes é uma seta curvada com direcção oposta aos ponteiros do relógio. Undo! Undo! Undo!
Não resulta...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Retrato 4 - A faladora egoista



Ela tinha a mania de dizer coisas só porque lhe soavam bem e esperava que a apreciassem nesse exercício.

Da mesma forma que atira a bola ao cão, assim faz com as palavras… 
Espera, simplesmente que alguém as apanhe e as devolva. Talvez com um pouco mais saliva, mastigadas e ligeiramente destruídas.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Berenice


Ele chamava-a de Berenice. Não por esse ser o seu nome mas porque quando a conheceu, ela o fez lembrar uma personagem de um romance que lera.

Berenice era bela com longos cabelos negros, um sorriso atrevido e corpo roliço. Dava nas vistas. Isto no livro, porque a outra - aquela que não Berenice - mas que assim era chamada, não despertava múltiplos olhares de cobiça. 

Mas ele chamava-a de Berenice e ela – a nossa Berenice (porque assim a conhecemos, apesar, desse não ser o seu nome) não sabia o porquê do título, aparentemente desadequado, antiquado e desinteressante.  

Ele chamava-a Berenice, cada vez mais, com maior intensidade e ela ficava triste, sempre um pouco menos.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Um post pessoal, um elogio à cusquice ou a nostalgia de uma humanidade envergonhada

Quando era miúda colocava a mim própria um desafio peculiar. O que escolheria perante as seguintes hipóteses:a) tornar-me invisível sempre que o desejasse ou b) conseguir ler os pensamentos das outras pessoas. Demorava sempre bastante a escolher uma das possibilidades e nunca as consegui realizar. Poderei afirmar: felizmente!, pois ouvi dizer que os super-poderes tornam-se muitas vezes uma maldição para os seus portadores.

Apesar dos evidentes benefícios que qualquer uma das operações pudesse representar penso que o que me fascinava era a simples possibilidade de saber mais sobre os outros. E isso é curioso porque sempre tive níveis de cusquice abaixo do normal (não que as análises que tenho feito comprovem isso mas era comum os episódios da vida alheia, mesmo quando picantes, intrigantes e amplamente divulgados entre o meu circulo de amigos e conhecidos, me passarem completamente ao lado).

Com a criação deste blog finalmente percebi porque é que tinha necessidade de procurar esses poderes. Tendo por objectivo escrever crónicas divertidas eu não poderia recorrer apenas à minha vida (que perante a minha visão crítica de cronista em construção era... árida). Nesse momento precisei de olhar para os outros, quem conheço, quem nunca vi, toda a gente e para as marcas humanas espalhadas um pouco por todo o lado (coisas como a roupa estendida nas varandas, as beatas caídas no chão, janelas semi-abertas poderiam ser pedaços de histórias fascinantes). 

A falta de rigor cientifico na pesquisa de pistas para ideias não me permitiu atingir níveis de quadrilhice notáveis, nem mesmo assinaláveis mas não me impediu de perceber que a cusquice me torna mais humana.