A senhora idosa de 80 anos, moradora num bairro classificado como imóvel de interesse público, mostra, orgulhosa, as obras recentes que fez lá em casa: os degraus da escada forrados a pedra mármore, branca nos cobertores, preta nos espelhos; a parede revestida a um metro de altura com azulejo azul e branco e pormenores em amarelo; a nova caixilharia em alumínio anodizado à cor natural; os tectos falsos com placas de plástico na sala.
Faço a conta mentalmente: preço de material, mão de obra (será que o sobrinho habilidoso é económico?), reforma... Vejo as fotografias dos netos em molduras plásticas com um banho de dourado, ao lado uma jarra azul com rosas da mesma cor.
Tento formular uma frase airosa, precisa ou eficaz sobre a caixilharia de alumínio e a sua inadequação naquela casa, naquele bairro. Os meus pensamentos são interrompidos por relatos de maleitas sofridas, histórias de familiares...
- E existem pessoas que não acreditam em Deus! - diz ao mostrar a nódoa negra isolada resultante de uma queda numa escada forrada a mármore polido com esquina viva (a tal).
Remeto-me ao silêncio. Há coisas das quais é mais fácil não falar. Não por uma questão de altruísmo mas por cobardia e egoísmo.
Como é reconfortante sair de uma casa habitada por uma octogenária e ouvir: Boa tarde menina, gosto em conhecê-la. Que lhe corra tudo bem!