domingo, 25 de janeiro de 2009

O gafanhoto

Até que ponto é que a companhia que temos se deve aos nossos múltiplos encantos, ao nosso comportamento, às nossas atitudes correctas e irreprimíveis? Desagrada-me contabilizar o quanto de circunstancial existe num afecto.

Tenho um pequeno espaço verde na varanda da minha cozinha, são 5 pequenos vasos com plantas aromáticas que alegram os meus dias e que respondem a falhas culinárias. Há cerca de um mês descobri um gafanhoto acastanhado no caule do pimenteiro. Os gafanhotos são vegetarianos, apesar disso senti-me alegre por estar a criar um pequeno ecossistema num pátio impermeável e sem outra vida visível a olho humano. Perguntei-me quanto tempo ficaria ali e se resistiria a eventuais encontros com o predador da zona (o gato da vizinha, de nome Boris, pesado, bonacheirão e com um apetite voraz).



Esqueci-me deste acontecimento, sou uma jardineira um pouco negligente... O que será do pimenteiro? O que acontecerá ao gafanhoto? Onde andará o gato? foram questões facilmente substituídas por outras de cariz mais prático.

Um destes dias o sol convidou-me a olhar para os vasos de novo, o gafanhoto encontrava-se lá. Senti-me verdadeiramente orgulhosa de ter criado um espaço agradável para um ser vivo. As pequena verdura que despontava daquela terra tão depressa árida como alagada constituíam um lar!
Comecei a criar uma rotina de visitas ao jardim, o gafanhoto já não é um gafanhoto qualquer, é o António. O Boris passou a ser menos bem recebido, troquei a oferta de pequenos pedaços de chouriço por gestos bruscos acompanhados de ruídos assustadores. Os meus vizinhos agradeceram o meu suposto novo cuidado relativamente à pintura dos carros.

À tarde o António subia para o topo do pimenteiro junto a um pequeno tronco praticamente horizontal e ficava ao Sol. As noites mais frias passava-as perto da folha mais carnuda.

Mas um dia tudo mudou... ao varrer a rua encontrei uma pata de insecto!

Não!

António!!!
O Boris!!!

Não acredito!!!!
...

No caule do pimenteiro estava ele como sempre impávido e sereno.. que alívio!

Apesar disso...algo de estranho se passava, algo que talvez tenha sentido sempre atingiu-me… A pata era de gafanhoto, já sem cor, era um pata traseira de gafanhoto, aquela super musculada que permite dar saltos a uma altura e comprimento impressionantes quando comparados ao pequeno tamanho do insecto!.. Relembrei cenas que me pareceram estranhas, o consentimento do gafanhoto perante o meu toque, a sua estadia prolongada ali.
O gafanhoto não tinha qualquer uma destas patas, era incapaz de saltar...desde quando não tenho ideia, porquê também não...
Tenho um gafanhoto a morar comigo porque é incapaz de saltar...

1 comentário:

Magui disse...

Gostei de ler!!
A escrita é tão activa quanto eu imagino que o António fosse nos seus tempos áureos.

Beijitos